Acórdão: Apelação Cível n. 2006.015546-8, de São José.
Relator: Des. Salete Silva Sommariva.
Data da decisão: 10.08.2006.
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZATÓRIA - DANOS MORAIS - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO INDEVIDA - VEÍCULO SEM RESTRIÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL DEMONSTRADA - IRRELEVANTE COMPROVAÇÃO DO ABALO SOFRIDO - DANO MORAL PRESUMIDO - OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR - QUANTUM FIXADO CONDIZENTE AO CASO - VALOR MANTIDO.
Em sede de dano moral, tem-se que o simples erro do credor, o qual enseja conduta irregular, na busca de seu suposto crédito, é fato gerador de constrangimentos e transtornos na vida do hipotético devedor, ou seja, provoca dano moral indenizável, independentemente de comprovação de reflexos patrimoniais.
A fixação da verba indenizatória por danos morais, nesse caso, deve considerar o caráter reparador, punitivo e pedagógico da responsabilidade civil, a gravidade e extensão do dano, a culpabilidade do agente, a condição financeira das partes envolvidas, o valor do negócio e as peculiaridades do caso concreto. Tais critérios, por evidente, revestem de inegável grau de subjetividade a fixação do quantum indenizatório, motivo pelo qual esta corte de justiça, a exemplo dos demais tribunais pátrios, tem se preocupado em cumprir a difícil tarefa de arbitrar verba indenizatória em valor que desencoraje o agente na reiteração do ato ilícito sem provocar o enriquecimento indevido da vítima.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2006.015546-8, da comarca de São José (1ª Vara Cível), em que é apelante GM Leasing S/A Arrendamento Mercantil e apelado Carlos Alberto de Souza:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
I - RELATÓRIO:
Na comarca de São José, Carlos Alberto de Souza aforou ação de indenização por danos morais em face de GM Leasing S/A Arrendamento Mercantil, argumentando, em síntese, que adquiriu de André Ricardo Kuntze, em 23.07.1999, um veículo marca GM, modelo Corsa Super, ano 1997, placas LYS 5466, cor vermelha, livre e desembaraçado. Asseverou que André Ricardo Kuntze adquiriu aludido veículo de Tânia Silene de Lemos, que havia firmado contrato de leasing com a instituição financeira ré, em 12.05.1998. Aduziu que, em 23.07.1999, foi desapossado do bem, através de mandado de busca e apreensão, expedido pelo MM. Juiz da 1ª Vara Cível da comarca de São José. Alegou que, em função disso, ajuizou embargos de terceiro, tendo a ré reconhecido o erro e devolvido o veículo. Informou que tal situação lhe trouxe grandes constrangimentos, mormente porque a apreensão se deu na presença de seus vizinhos, denegrindo sua imagem perante eles. Postulou a condenação do banco réu ao pagamento de uma indenização a título de danos morais (fls. 02/05).
Devidamente citada, a instituição financeira ré apresentou resposta, em forma de contestação (fls. 38/44), admitindo o equívoco, porém, ressaltando que tão-logo constatou o erro, peticionou nos embargos de terceiro informando ter devolvido o veículo ao autor. Asseverou, ainda, a necessidade de comprovação do alegado dano, o que não ocorreu nos autos. Argumentou, por fim, se julgado procedente o pedido inicial, que o valor da indenização seja fixada no equivalente a 05 (cinco) salários-mínimos.
Impugnação à contestação a fls. 49/55.
Em julgamento antecipado de fls. 65/69, a togada a quo julgou procedente o pedido inicial, condenando o réu ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigidos monetariamente a contar da publicação da sentença, com juros de mora de 6% (seis por cento) ao ano, a partir da intimação da sentença. Condenou, ainda, o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação.
Irresignado, o réu interpôs recurso de apelação (fls. 76/81), aduzindo, em suma, a inexistência de comprovação do alegado abalo e insurgindo-se a respeito do quantum indenizatório fixado.
Em contra-razões, o autor refutou as teses despendidas pelo banco réu (fls. 85/90). Após, os autos ascenderam a esta superior instância.
II - VOTO:
Estão presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso em análise, ensejando decisão de mérito a seu respeito.
A insurreição da instituição financeira ré, consiste no fato de ter sido condenada ao pagamento de indenização a título de danos morais decorrente de irregular busca e apreensão de veículo. Seu argumento cinge-se na ausência de prova a respeito do prejuízo moral que o autor alega ter sofrido, o que, a seu ver, não lhe dá direito a indenização pleiteada, como também, insurge-se quanto ao valor da compensação fixada em sentença.
Neste contexto, em se tratando de responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (art. 159, CC/1916 e art. 186, CC/2002), para que seja reconhecido o direito à indenização, é necessária a efetiva demonstração do dano, do comportamento ilícito (dolo ou culpa) do agente e do nexo de causalidade entre ambos, ou seja, é imprescindível a comprovação de que o postulante da indenização sofreu prejuízo diretamente ocasionado pela conduta indevida da outra parte.
A esse respeito, Silvio Rodrigues assevera o seguinte:
"(...) para a configuração da responsabilidade civil, é necessária a composição dos seguintes pressupostos: I) ação ou omissão do agente; II) culpa do agente; III) relação de causalidade; IV) dano experimentado pela vítima. (...) Ordinariamente, para que a vítima obtenha a indenização, deverá provar entre outras coisas que o agente causador do dano agiu culposamente." (Direito civil: responsabilidade civil. 24. ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 14/17)
No entanto, a regra da efetiva demonstração do dano moral tem se fragilizado ao longo do tempo, de modo que, na sistemática processual vigente, não mais se exige a efetiva demonstração do prejuízo suportado, bastando, à sua configuração, a consciência de que determinado comportamento atinge a moralidade do indivíduo. É o que acontece com a busca e apreensão judicial indevida de coisa, quando a mácula é evidente.
Sabe-se que, a busca e apreensão de bem é medida drástica, sendo necessário cercar-se de todas as certezas antes de postular-se tal providência e, em sede de dano moral, tal medida, é fato gerador de constrangimentos e transtornos na vida do proprietário do bem, que fica impedido injustamente de utilizar seu veículo, ou seja, provoca dano moral indenizável, independentemente de comprovação de reflexos patrimoniais.
A esse respeito, ensina Yussef Said Cahali:
"(...) tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral." (Dano moral. 2.ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 20/ 21).
No mesmo sentido, é o julgado desta Corte que ora se traz à colação:
"(...) DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DANO.
Em sede de dano moral, na sistemática atual, não se cogita mais da necessidade de prova do prejuízo. Basta a consciência de que determinado procedimento atinge a moralidade e a tranqüilidade psíquica do indivíduo, para estar configurado o dano. (...)" (AC n. 1999.017298-8, Rel. Des. Silveira Lenzi).
Se assim o é, presumindo-se a ocorrência do dano moral, o reconhecimento do dever indenizatório depende, apenas, da demonstração do comportamento culposo do réu e do liame causal entre essa conduta e o dano psíquico suportado pelo autor.
Tocante à conduta propriamente dita, tem-se que a própria ré, em contestação, admite o equívoco cometido ao postular a medida de busca e apreensão do veículo, quando, na verdade, este já se encontra livre e desembaraçado de qualquer ônus, sendo fato incontroverso nos autos. Tanto que, em suas razões de apelação, limitou-se a se insurgir sobre a ausência de comprovação do alegado dano.
Desse modo, o nexo de causalidade entre a negligência do apelante e o desgosto moral experimentado pela autor restou patente, pois não teria sofrido abalo moral caso seu bem não fosse apreendido, quando já desembaraçado.
Sobre o valor da indenização é importante frisar que este reveste-se de funções. A primeira é a função reparadora ou compensatória, por intermédio da qual o julgador pretende reconstituir no patrimônio do lesado aquela parte que ficou desfalcada, procurando restabelecer o status quo anterior à ocorrência da lesão, devendo ser fixada, ainda que impossível a reconstituição da integridade psíquica e moral violada. A segunda, é a chamada função punitiva, através da qual se objetiva castigar o causador do dano, como forma de atuar no ânimo do agente, impedindo que prossiga na sua conduta danosa. A quem refira, ainda, a função pedagógica que serve de alerta sobre a ilicitude do fato, desestimulando a prática de atos idênticos por outros membros da sociedade.
Neste sentido, colhe-se do escólio jurisprudencial do Pretório Superior:
"(...) Como é cediço, a indenização por dano moral objetiva compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor e desestimular este e a sociedade a cometerem atos dessa natureza. Ademais, segundo vem sendo reiteradamente decidido, o valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle desta Corte, recomendando-se que a sua fixação seja feita com moderação. No caso, o valor da verba indenizatória estipulada (R$ 127.737,60), mesmo considerada a capacidade econômica do recorrente, é excessivo. Afigura-se mais justo seja fixada em valor inferior.
É que embora sendo empresário do ramo de cobranças e o recorrente uma banco bem conceituado foge aos parâmetros de fixação do quantum indenizatório, que deve ser moderado e não implicar locupletamento indevido de quem se sente lesado." (REsp n. 331.078/AL, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. em 29.04.2002)
Ou ainda:
"DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO.
CONTROLE PELO STJ. PEDIDO CERTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
I - O arbitramento do valor indenizatório por dano moral se sujeita ao controle desta Corte.
II - Inexistindo critérios determinados e fixos para a quantificação do dano moral, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação e em consonância com as peculiaridades do caso concreto, o que, na espécie, não ocorreu, distanciando-se o quantum arbitrado da razoabilidade.
III - Nas reparações por dano moral, como o juiz não fica jungido ao quantum pretendido pelo autor, ainda que o valor fixado seja consideravelmente inferior ao pleiteado pela parte, não há falar-se em sucumbência recíproca, salvo no que concerne às custas processuais.
Recurso especial provido, em parte." (REsp n. 291625/SP, Rel. Min. Castro Filho, j. em 04.08.2003).
Atenta a essa realidade, a indenização deve considerar todas as circunstâncias envolvidas no evento, devendo ser proporcional ao agravo sofrido (art. 5°, V, CRFB) e, nesse vértice, é evidente que o dano moral suportado pelo autor lhe causou transtornos, os quais dificilmente serão apagados. Essa particularidade deve conduzir o magistrado, na fixação do quantum, à aferição de um juízo de valor, observando a realidade social das partes envolvidas, visando a propiciar o bem comum.
Observados tais critérios, denota-se que o montante fixado em sentença, R$ 10.000,00, mostra-se harmônico ao caso e não escapa ao bom senso que a Lex Instrumentalis recomenda (art. 335, CPC), motivo pelo qual a manutenção do valor indenizatório se torna imperativo.
Logo, considerando, as condições sociais das partes, o dano suportado pela autora, mormente, como já dito, a gravidade e a extensão dos males, além da experiência comum e do bom senso (art. 335 CPC), torna-se imperativo manter-se o valor indenizatório nos moldes estipulados na decisão atacada.
Destarte, nega-se provimento ao recurso.
III - DECISÃO:
Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Fernando Carioni e Marcus Túlio Sartorato.
Florianópolis, 10 de agosto de 2006.
Fernando Carioni
PRESIDENTE COM VOTO
Salete Silva Sommariva
RELATORA
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